terça-feira, 29 de junho de 2010

A ideologia racista entra em campo - Rosenverck E. Santos

A copa do mundo de futebol é a celebração entre os povos
e continentes. Esse é o discurso oficial. É como a
democracia racial no Brasil: - uma celebração entre as
raças. Tal discurso afirma: democraticamente as raças no
Brasil estariam harmonicamente relacionadas! Na copa do mundo
aconteceria o mesmo, os povos estariam harmonicamente
relacionados, teriam as mesmas oportunidades futebolísticas
de ganhar ou perder e nada que não fosse estritamente
esportivo influenciaria nos resultados.

O discurso jurídico racista construído no Brasil não
foge a esta regra. Todas as oportunidades igualitárias
são dadas a qualquer um, não importando condições de
classe, gênero e raça. Dessa forma, todas as
determinações que não fossem estritamente ligadas à
capacidade intelectual e moral dos indivíduos estariam
isentas de responsabilização pelas desigualdades e fracassos
sociais.

A realidade concreta, no entanto, é diferente do
discurso. Assim como na democracia racial brasileira onde a
população negra não está socialmente igual ao
segmento branco, pois os anos de escravidão e ideologia
racista influenciam determinantemente nos espaços
socioeconômicos ocupados por brancos e negros; na copa do
mundo os resultados aparentemente esportivos não poderiam
estar isentos de séculos de ideologia racista e
dominação colonial impostas aos povos africanos. Senão
vejamos!

Todos os times africanos que estão participando da Copa do
Mundo de futebol carregam consigo – segundo quase toda a
imprensa – a pecha de violentos e ingênuos. Percebam
que essas afirmações em nada fogem à regra de como o
continente e a história africana é percebida pela maior
parte do senso comum popular e mesmo por intelectuais racistas. A
África e os africanos, segundo esse discurso, não teria
e não tem condições de controlar e administrar as suas
riquezas e os seus territórios, cabendo aos europeus ou
empresas multinacionais o comando e controle do espaço
africano. A ingenuidade africana necessitaria – por esse
discurso – da capacidade intelectual européia para
realizar o progresso e a civilização. As violências
tribais africanas seriam o exemplo dessa incapacidade de
autonomia. Como se percebe, não por acaso os africanos no
futebol são vistos como ingênuos e violentos.

Mas não é segredo pra ninguém que a maioria dos
jogadores africanos moram desde crianças no continente
europeu, foram educados nas línguas e culturas européias
e jogam em grandes times do futebol da Europa. São jogadores
milionários que tem acesso a todos os artefatos da cultura e
educação européia, bem como de todos os recursos
técnicos e táticos dos mais avançados no mundo. Mas,
se a maioria foi educada no ideário europeu, jogam em grandes
times do futebol e tem todos os recursos técnicos e
táticos do futebol, por que são vistos e apontados como
violentos e ingênuos. A explicação que parece complexa,
na verdade é muito simples: a ideologia racista entra em
campo.

Comecemos por definir: o que é racismo? De forma objetiva
é a vinculação das capacidades intelectuais e morais
à sua condição racial ou cultural. É atribuir
inferioridade, anomalias e degenerações à condição
de indivíduo pertencente a um grupo social e etinicorracial
específico. Não é por acaso, portanto, que apesar dos
jogadores africanos viverem e trabalharem na Europa serem taxados
de violentos e ingênuos.

O que a maioria da imprensa faz é atribuir uma condição
intelectual e moral ao fato de serem africanos. Em essência,
o problema não está em fazer faltas e perder o jogo, pois
qualquer time é sujeito a isto. A questão está no
fato de serem africanos e, portanto, incapazes de terem outra
condição intelectual que não seja a ingenuidade e outro
comportamento moral que não seja a violência.

Repete-se a máxima de Marx: é a história se repetindo
como farsa e tragédia. Como farsa na medida em que retoma o
discurso falacioso da inferioridade e ingenuidade africana e
trágica no sentido de perpetuar o racismo consciente e
inconsciente na memória coletiva do brasileiro.

Mas uma vez é necessário retomar o sentido real da
história e por no devido lugar a condição africana.
Assim como negamos a democracia racial, o racismo e a
escravidão, buscando a nossa construção enquanto seres
humanos ativos e transformadores; negamos também a ideologia
racista futebolisticamente sofisticada que infantiliza e
animaliza os africanos, reafirmando a máxima de Solano
Trindade, pois nos navios negreiros que se deslocaram para o
Brasil e para o mundo não tinham boçais e animais, mas
pelo contrário: resistência e inteligência.

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