Para o texto de hoje decidi fazer uma entrevista com o primeiro grande jornalista esportivo paulista. Só havia um problema: ele estava morto há 42 anos. Mas para este problema havia uma fácil solução: Zé Cabala, o legítimo facebook das almas boleiras.
Para o texto de hoje decidi fazer uma entrevista com o primeiro grande jornalista esportivo paulista. Só havia um problema: ele estava morto há 42 anos.
Mas para este problema havia uma fácil solução: Zé Cabala.
Para quem nunca ouviu falar dele, explico: trata-se de um nigromante especializado em incorporar espíritos de pessoas que foram ligadas ao esporte. Alguns, sem fé nem respeito, dizem que ele é apenas um embusteiro, mas eu o tenho como o maior dos médiuns ludopédicos, o legítimo facebook das almas boleiras.
Pois bem, quando cheguei em sua sacrossanta morada, um sobradinho no Jardim Lambretta, o mestre dos mestres estava usando seu inseparável turbante enquanto lavava Hebe Camargo (é como ele chama sua velha perua Kombi).
-Bom dia, sábio dos sábios, eu gostaria de usar seus serviços.
-Trouxe o dízimo, digo, o cinquentísimo?
Dei-lhe a nota de cinquenta e fomos para seu templo, uma edícula nos fundos da casa.
-Hoje quero falar com o primeiro grande jornalista esportivo da imprensa paulista - pedi.
Então o maharishi dos maharishis deu quatro voltas para a direita, cinco giros para a esquerda e caiu sobre as almofadas. Depois disse com um sotaque levemente italiano:
-Thomaz Mazzoni, ao seu dispor.
- É uma honra falar com o senhor, um dos pilares do jornalismo esportivo.
-Ora, ora..., todo mundo já me esqueceu...
-Se não me engano, o senhor nasceu na Itália.
-Sim. Em Polignano a Mare, no ano de 1900. Mas lá havia uma crise terrível, e vim ainda bem pequeno para São Paulo. Ficamos na Hospedaria dos Imigrantes, no Brás. Podíamos ter ido para o interior, mas nos ajeitamos por aqui mesmo.
-Quantos anos tinha quando começou no jornalismo?
-Com vinte eu já escrevia no São Paulo Esportivo, um jornal quinzenal. Depois fui redator e diretor do Estampa Esportiva. Em junho de 1928 passei a ser redator nA Gazeta Esportiva e dois anos depois assumi o comando da redação.
-O senhor fez uma revolução no jornalismo esportivo, não é?
-Revolução é exagero. Mas fiz algumas boas inovações. Por exemplo, comecei a nomear os jogadores no jornal do mesmo jeito que eram chamados pela torcida, mesmo que fosse por apelidos ou diminutivos. Também popularizei um pouco a linguagem, e criei alguns termos que ficaram, como os apelidos para os clássicos, como Choque Rei e San-São. Também comecei a chamar o Corinthians de Timão, o Juventus de Moleque Travesso, e o XV de Piracicaba de Nhô Quim.
-Isso mudou o jornalismo esportivo.
-Ficou mais popular, mais próximo do leitor. Mas mais importante foi combater o clubismo dos jornais. Eles criavam uma Choromania.
-Choromania?
-É que a imprensa esportiva é quem faz o ‘choro’, cria rivalidades e às vezes ódios, mesmo porque o ‘choro’ não é mais do que um desabafo da paixão bairrista, e que quanto mais se alimenta, mais cega fica. O ‘choro’ em nosso futebol começou nos áureos tempos dos célebres prélios paulistas x cariocas.
-O senhor pregava uma intervenção do Estado no esporte, não é?
-Com todas as minhas forças. O governo tem que intervir, planejar, cuidar do esporte. Foi assim que França, Espanha e Inglaterra fizeram depois da Primeira Grande Guerra. E eles viraram potências esportivas. Acho que minha maior vitória foi a criação do Conselho Nacional de Desportos (CND), em 1941.
-O senhor também fazia uns almanaques anuais, não é?
-Sim, de 1938 a 51 eu publiquei o Almanaque Sportivo Olympicus, uma "coleta" de tudo o que acontecia nos esportes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Hoje eles custam uma nota nos sebos.
-E livros?
-Foram mais de vinte. E um deles, lançado em 1950, acho que é muito importante: A história do Futebol Brasileiro. Todos falam no livro do Mário Filho, O negro no futebol brasileiro, de 1947, mas o meu é tão importante quanto.
-O senhor e o Mário Filho tinham ideias muito diferentes, não é?
-Muito. Ele falava mais do indivíduo, eu, do grupo. Ele gostava mais de dribles e lances, eu falava mais de teorias e técnicas. Para mim, o futebol era uma questão de ciência. E também de política. Eu pensava muito na questão da organização e da administração. Queria fortalecer as associações e as ligas, criar um futebol oficializado e, antes de tudo, profissional.
- Outro livro seu que é muito comentado é O esporte a serviço da pátria.
-Neste eu dizia que a prática esportiva era um meio de engrandecer o Brasil, ajudando na formação do homem nacional e na construção da nacionalidade. Acho que o esporte é algo mais sério do que se tem julgado até agora, erradamente, entre nós. Especialmente de parte dos homens públicos.
-O senhor também achava que esporte era uma questão de educação, não é?
-Mas isto não é óbvio? Eu até mandei uma carta ao ministro Gustavo Capanema, pedindo a criação de uma cadeira sobre “História esportiva” na Escola de Educação Física e Desportos. O crescimento da nossa “cultura esportiva” fatalmente levará ao progresso do esporte.
-No final das contas, o senhor acha que venceu, que conseguiu transformar o esporte?
-Eu, não. Algumas de minhas ideias, sim.
José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5542&boletim_id=1163&componente_id=18617
Casou, mas não sarou
Há 4 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário