quinta-feira, 12 de abril de 2012

Proibir ou não, eis a não-questão - José Roberto Torero

Não adianta proibir uma torcida de assistir aos jogos. Pois basta que os mesmos sujeitos entrem com camisas brancas e pronto, a proibição está contornada. A questão é mais complicada, e tem ressalvas, confissões, críticas, soluções, avisos e enfins.

Na primeira versão deste texto, o título era “Proibir ou não, eis a questão”. E obviamente a proibição seria em relação às torcidas organizadas. Mas pensei, escrevi, repensei, reescrevi e cheguei a este novo título, pois acho que a proibição é uma falsa questão.

Não adianta proibir uma torcida de assistir aos jogos. Pois basta que os mesmos sujeitos entrem com camisas brancas e pronto, a proibição está contornada.

A questão é mais complicada, e tem ressalvas, confissões, críticas, soluções, avisos e enfins. Vamos às ressalvas:

Ressalvas:
Nunca fui de nenhuma torcida organizada, mas imagino que deve ser muito divertido você se juntar a outros torcedores e ver jogos do seu time. Dá a alegre sensação de pertencer a um grupo. Você canta, pula torce, tem eco nas alegrias e consolo nas derrotas.

E as organizadas não são organizações criminosas (o que não quer dizer que não haja criminosos por lá). Certa vez dei uma palestra na Gaviões (nenhuma outra torcida me convidou) e conheci vários dirigentes inteligentes e bem intencionados.

Também não se pode esquecer que a violência, principalmente na adolescência, é algo comum, de forma nenhuma exclusiva de torcedores de futebol. Basta ver as brigas nas escolas hoje em dia. Ou usar a memória e lembrar dos seus tempos de antanho. Eu, pelo menos, dei e levei alguns socos na adolescência.

A última ressalva é que não me parece certo proibir a associação de pessoas. Há um certo ar de ditadura em dizer que as pessoas não podem ficar juntas, seja para fazer política, cantar ou ver futebol.

Confissões:
No início da minha carreira de colunista esportivo fiz um texto chamado “Torcedores, uni-vos”, uma espécie de manifesto torcedorista, que colocava o torcedor organizado como um potencial fator de mudança no futebol.

Eu realmente acreditava nisso. Mas, catorze anos depois, já não tenho a mesma opinião.

Pouquíssimas vezes as organizadas trouxeram avanço ao futebol. Em muitos casos elas foram usadas pelas diretorias dos clubes, vendendo seu apoio por ingressos grátis, dinheiro para churrasco, etc... E muitas vezes seguiram líderes tolos, mais interessados na projeção individual do que no clube.

Também pensei que as torcidas organizadas poderiam transbordar da vida boleira e ganhar uma cara mais política. Imagine, por exemplo, o que uma associação de organizadas não poderia fazer?

Mas esse transbordamento não ocorreu. Só conseguiram fazer isso com eficiência com relação ao carnaval. E tem sido uma experiência lamentável, vide os fatos acontecidos na última apuração.

Aliás, uma das coisas mais tristes do carnaval paulista é ver os integrantes da Gaviões em silêncio durante o desfile das outras escolas de samba.

Críticas:
Além da violência contra torcedores de outros clubes, as organizadas também dificultam a vida dos torcedores do seu clube. Por conta do perigo iminente, pais pensam duas vezes antes de levar seus filhos ao campo. Não é apenas pela diminuição do número de lugares que os estádios têm médias de público menores do que antigamente. É também pela fuga do torcedor comum.

Mesmo que não haja briga, a torcida organizada é chata com o torcedor normal. Se você está sentado por perto, eles exigem que você torça como eles, que fique de pé como eles, que cante como eles. Esta ditadura da maioria não é nada agradável. Ela é burra, preconceituosa, fundamentalista.

As organizadas chegam ao cúmulo de oprimir e reprimir outras organizadas de seu próprio clube. Por exemplo, houve a tentativa de alguns torcedores do Santos de fazer uma torcida do tipo argentino, usando o mesmo tipo de faixas, músicas etc... Pois esta pequena torcida apanhou de uma grande torcida (também santista) só porque torcia de um jeito diferente. E, obviamente, os inchas santistas acabaram.

Soluções:
Prender um cara porque brigou me parece pouco inteligente. Ele só vai se tornar um sujeito ainda pior. Mas, por outro lado, há que se cumprir a lei. Hoje há 27 sujeitos proibidos de assistir a jogos no estado de São Paulo. Só que não há nenhum controle sobre eles.

Uma saída é fazer como na Inglaterra, onde os torcedores banidos do estádio têm que ficar na delegacia durante os jogos. E, se o cara não aparecer, aí sim, cadeia nele.

É claro que a polícia vai usar a desculpa das delegacias cheias, etc... Mas há tantos policiais destacados para os jogos que este argumento me parece absurdo. É claro que é interessante usar alguns destes policiais para afastar justamente os tipos mais perigosos.

A punição é necessária. Tanto a torcedores violentos como em presidentes de clubes ou de federações. Mas o Brasil ainda é o país da impunidade, seja de Ricardo Teixeira, seja do sujeito que matou o palmeirense na Inajar de Souza neste domingo.

Boa parte da solução é mesmo policial. Há que se vigiar os sujeitos, as redes sociais, e afastar os torcedores violentos. Mas não há um trabalho sistemático em relação a isso. Não há uma inteligência policial atuante. Não há escutas telefônicas e rastreamento das relações pessoais dos principais terroristas do futebol.

Outra solução, ainda que parcial, é deixar os clássicos com apenas uma torcida. Sempre fui contra isso, pois acho a segregação uma derrota da sociedade, do poder da convivência. Mas me rendo. Às vezes há que aceitar uma derrota para não sofrer outras maiores.

Aviso:
A batalha deste domingo foi uma vingança em relação à morte do corintiano Douglas Karim Silva, em agosto de 2011. Pois a morte de André Lezo também deve gerar vingança. Segundo apurou o jornal Lance!, a briga pode acontecer na via Dutra.

Creio que, em relação aos torcedores, há um sentimento de “Deixem que esses imbecis se matem uns aos outros”.

Mas a graça da sociedade é que ela cuida mesmo dos mais imbecis.

A polícia tem que mostrar eficiência e evitar novas lutas, novas mortes. É hora de estar um passo à frente dos imbecis, o que não deve ser difícil.

Considerações finais:
Num vídeo disponível na internet, André Lezo, o torcedor que morreu neste domingo, fala que a Mancha e o Palmeiras eram sua vida. Isso é triste por várias razões:

Primeiro, pelo infeliz trocadilho, pois André não teve vida, mas morte, por conta de Palmeiras e Mancha.

Em segundo lugar, porque há uma certa desesperança em alguém dizer que o futebol é a coisa mais importante de sua vida. É muita falta de expectativa. É sinal de uma vida sem sentido.

Acredito que este crescimento da importância do futebol tem duas causas. A primeira é a queda do nível da educação nacional, que começou em meados dos anos sessenta, durante a ditadura militar. No longo prazo, essa educação falha fez com que valores fossem substituídos, que a cultura ficasse em segundo plano, que a participação na sociedade fosse evitada, etc...

Por outro lado, algumas forças sociais, como partidos políticos, comunidades eclesiais de base, sociedades amigos de bairro e sindicatos perderam seu poder de atração. Sem a ditadura como inimigo óbvio, elas não conseguiram criar novos desejos, novas causas.

As pessoas querem agir, querem fazer parte. E, sem muita concorrência, o futebol acabou canalizando boa parte desde desejo.

O que é uma pena, porque o futebol não tem importância nenhuma.

José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5531&boletim_id=1158&componente_id=18532

O homem que inventou o Timão - José Roberto Torero

Para o texto de hoje decidi fazer uma entrevista com o primeiro grande jornalista esportivo paulista. Só havia um problema: ele estava morto há 42 anos. Mas para este problema havia uma fácil solução: Zé Cabala, o legítimo facebook das almas boleiras.

Para o texto de hoje decidi fazer uma entrevista com o primeiro grande jornalista esportivo paulista. Só havia um problema: ele estava morto há 42 anos.

Mas para este problema havia uma fácil solução: Zé Cabala.

Para quem nunca ouviu falar dele, explico: trata-se de um nigromante especializado em incorporar espíritos de pessoas que foram ligadas ao esporte. Alguns, sem fé nem respeito, dizem que ele é apenas um embusteiro, mas eu o tenho como o maior dos médiuns ludopédicos, o legítimo facebook das almas boleiras.

Pois bem, quando cheguei em sua sacrossanta morada, um sobradinho no Jardim Lambretta, o mestre dos mestres estava usando seu inseparável turbante enquanto lavava Hebe Camargo (é como ele chama sua velha perua Kombi).

-Bom dia, sábio dos sábios, eu gostaria de usar seus serviços.

-Trouxe o dízimo, digo, o cinquentísimo?

Dei-lhe a nota de cinquenta e fomos para seu templo, uma edícula nos fundos da casa.

-Hoje quero falar com o primeiro grande jornalista esportivo da imprensa paulista - pedi.

Então o maharishi dos maharishis deu quatro voltas para a direita, cinco giros para a esquerda e caiu sobre as almofadas. Depois disse com um sotaque levemente italiano:

-Thomaz Mazzoni, ao seu dispor.

- É uma honra falar com o senhor, um dos pilares do jornalismo esportivo.

-Ora, ora..., todo mundo já me esqueceu...

-Se não me engano, o senhor nasceu na Itália.

-Sim. Em Polignano a Mare, no ano de 1900. Mas lá havia uma crise terrível, e vim ainda bem pequeno para São Paulo. Ficamos na Hospedaria dos Imigrantes, no Brás. Podíamos ter ido para o interior, mas nos ajeitamos por aqui mesmo.

-Quantos anos tinha quando começou no jornalismo?

-Com vinte eu já escrevia no São Paulo Esportivo, um jornal quinzenal. Depois fui redator e diretor do Estampa Esportiva. Em junho de 1928 passei a ser redator nA Gazeta Esportiva e dois anos depois assumi o comando da redação.

-O senhor fez uma revolução no jornalismo esportivo, não é?

-Revolução é exagero. Mas fiz algumas boas inovações. Por exemplo, comecei a nomear os jogadores no jornal do mesmo jeito que eram chamados pela torcida, mesmo que fosse por apelidos ou diminutivos. Também popularizei um pouco a linguagem, e criei alguns termos que ficaram, como os apelidos para os clássicos, como Choque Rei e San-São. Também comecei a chamar o Corinthians de Timão, o Juventus de Moleque Travesso, e o XV de Piracicaba de Nhô Quim.

-Isso mudou o jornalismo esportivo.

-Ficou mais popular, mais próximo do leitor. Mas mais importante foi combater o clubismo dos jornais. Eles criavam uma Choromania.

-Choromania?

-É que a imprensa esportiva é quem faz o ‘choro’, cria rivalidades e às vezes ódios, mesmo porque o ‘choro’ não é mais do que um desabafo da paixão bairrista, e que quanto mais se alimenta, mais cega fica. O ‘choro’ em nosso futebol começou nos áureos tempos dos célebres prélios paulistas x cariocas.

-O senhor pregava uma intervenção do Estado no esporte, não é?

-Com todas as minhas forças. O governo tem que intervir, planejar, cuidar do esporte. Foi assim que França, Espanha e Inglaterra fizeram depois da Primeira Grande Guerra. E eles viraram potências esportivas. Acho que minha maior vitória foi a criação do Conselho Nacional de Desportos (CND), em 1941.

-O senhor também fazia uns almanaques anuais, não é?

-Sim, de 1938 a 51 eu publiquei o Almanaque Sportivo Olympicus, uma "coleta" de tudo o que acontecia nos esportes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Hoje eles custam uma nota nos sebos.

-E livros?

-Foram mais de vinte. E um deles, lançado em 1950, acho que é muito importante: A história do Futebol Brasileiro. Todos falam no livro do Mário Filho, O negro no futebol brasileiro, de 1947, mas o meu é tão importante quanto.

-O senhor e o Mário Filho tinham ideias muito diferentes, não é?

-Muito. Ele falava mais do indivíduo, eu, do grupo. Ele gostava mais de dribles e lances, eu falava mais de teorias e técnicas. Para mim, o futebol era uma questão de ciência. E também de política. Eu pensava muito na questão da organização e da administração. Queria fortalecer as associações e as ligas, criar um futebol oficializado e, antes de tudo, profissional.

- Outro livro seu que é muito comentado é O esporte a serviço da pátria.

-Neste eu dizia que a prática esportiva era um meio de engrandecer o Brasil, ajudando na formação do homem nacional e na construção da nacionalidade. Acho que o esporte é algo mais sério do que se tem julgado até agora, erradamente, entre nós. Especialmente de parte dos homens públicos.

-O senhor também achava que esporte era uma questão de educação, não é?

-Mas isto não é óbvio? Eu até mandei uma carta ao ministro Gustavo Capanema, pedindo a criação de uma cadeira sobre “História esportiva” na Escola de Educação Física e Desportos. O crescimento da nossa “cultura esportiva” fatalmente levará ao progresso do esporte.

-No final das contas, o senhor acha que venceu, que conseguiu transformar o esporte?

-Eu, não. Algumas de minhas ideias, sim.

José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.

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