Ainda não satisfeito, investiguei as doutrinas religiosas que foram alegadas como argumentos da situação problema, e fui descobrindo algumas contradições... consultei amigos da mesma linha religiosa do estudante – a Igreja Cristã Maranata, e também de linhas já tradicionais com essas questões, no mínimo, ainda polêmicas, como a Adventista do Sétimo Dia.
O amigo da Maranata fez comentários interessantes, como: não se poder brincar o Carnaval, entre outras palavras, o que os seguidores desta doutrina chamam de “festas pagãs”. Bem, é no mínimo curioso, pois o Carnaval, como o conhecemos, é cristão. E o que o cristianismo original chamava de pagãs eram todas as culturas que se baseavam em sua conexão com a natureza (ou seja, basicamente todas as culturas que chamamos hoje de tradicionais); ou no mínimo, eram pagãs aquelas culturas que não compartilhavam o mesmo deus cristão. Em nosso contexto de estudo e de aulas, com culturas tradicionais, notadamente africanas e indígenas, significaria não trabalhá-las e manter justamente a tradição brasileira das aulas de Educação Física: esportivista, ou quando não, mantendo um currículo europeizado. Este amigo sugere exatamente isto! Que eu, depois de esclarecimentos com as forças administrativas da escola e a família, aplicasse “só aulas de educação física normal ou trabalhos sobre a matéria” (grifo meu).
Até então eu tinha simulado um situação, e comentei: - E se todos os estudantes fossem desta linha e alegassem as mesmas razões, simplesmente as aulas não aconteceriam (devido à falta de participação) por conta disso? Ele comenta que eu daria aula com certeza, mas utilizando “de outros meios de estudo”. Ou seja, a especificidade da área pode simplesmente virar um detalhe, não haver movimento, não se conhecer corporalmente, não romper energicamente as travas neuróticas que o mundo tem colocado em nossos corpos. Além disso, antes, o currículo tinha ênfase nos esportes – sem problemas – como se este fosse neutro e não fizesse parte de um currículo europeizado, de normalização e de encobrimento de nossas outras bases de formação identitária, firmando preconceitos devido à ignorância, a discriminação por vários motivos decorrentes deste, levando a desigualdades em nossa convivência, às vezes exclusão, e crimes em outras. Se não for a escola, ou que seja nas aulas desta disciplina, ou que seja em minhas aulas mesmo, é preciso despertar para este tema e enfrentá-lo.
Voltando aos depoimentos, a própria coordenadora vivia entre muitas amizades da mesma linha religiosa, e comentava que as pessoas eram sempre muito alegres e festivas.
Já o amigo da Adventista, deixando claro desconhecer a doutrina de outras correntes, argumentou que a fundamento de qualquer uma seria a Bíblia, e que estas questões que vão para além da doutrina seriam um debate religioso, e por isso, as transcenderiam. E começa seu relato mostrando que, de acordo com ela, “nosso corpo é Templo do Espírito Santo” e, por conta disso, toda pessoa tem o dever de cuidar dele. “Deus não nos fez para sermos preguiçosos, gordos, lentos, ou vagabundos. Deus nos fez pro trabalho” e que trabalhar “o físico” é “honrar a deus”. Todas estas passagens foram devidamente citadas de livros da Bíblia. Curiosamente, muitas artes, filosofias, doutrinas e até religiões, que se dizem libertárias, ajudando a pessoa em seu autoconhecimento e em sua atuação no mundo, se alinham com essa postura quanto ao corpo e ao movimento.
Inclusive, entre meus argumentos utilizando também passagens bíblicas para o próprio estudante eram nessa linha: como assim não pode dançar, se, de acordo com as passagens, havia festa toda hora, incluindo música, dança e comida, além de serem sempre festas com efeito terreno e espiritual – se assim posso afirmar. Uma festa no mundo, louvando algo do outro mundo. E que o primeiro milagre de Jesus foi numa festa, onde o próprio dançava e se embriagava... e fez aparecer mais vinho!!!
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