A primeira certeza que o apito final do dia 11 de julho deixou foi a de que a Espanha mereceu o título que a colocou no seleto grupo dos oito países campeões mundiais de futebol. A segunda certeza foi a de que a África é capaz. Todos aqueles que, antes do Mundial, temiam pelo pior, tiveram de botar o rabo entre as pernas.
Quando eu cheguei ao país da Copa, no dia 2 de junho, tinha como referência alguns relatos evasivos de amigos que já haviam vivido ou visitado o país, mas também trazia na memória as dezenas de artigos lidos alertando quanto aos possíveis problemas de transporte e, principalmente, segurança. Às vésperas da viagem, empresas que prestaram serviços durante a Copa e associações de jornalistas enviavam e-mails indicando que eu não deveria pegar um taxi, pisar a rua sozinho nem falar com grupos de homens negros. Semanas antes do Mundial, pipocavam notícias sobre extravio de bagagens, assaltos e agressões a estrangeiros. Confesso que embarquei bastante ressabiado.
Minhas preocupações começaram a diluir-se no meu primeiro final de semana, quando fui conhecer Soweto. Fiz os programas de turista, mas também almocei num bandeijão, caminhei pelas ruas e entrei em lugares dos locais, como um bar e um supermercado. Pode ter sido apenas uma impressão é claro, mas foi boa. Não posso negar que ao declarar-me brasileiro via os sorrisos do pessoal de lá se abrirem com mais facilidade, mas o fato é que a experiência neste histórico e sofrido distrito me ajudou a relaxar um pouco.
Quarenta e cinco dias, seis cidades e vinte jogos depois, a bordo do avião de volta para casa, conclui que houve uma situação de átipica tranquilidade para que tudo corresse bem durante a Copa. Mas também volto seguro de que a África do Sul é um país fantástico, que precisa de mais atenção do mundo e de muito mais cuidado de seus administradores. A principal queixa de quem vive lá é a corrupção. Pelo que eu ouvi, parece ser igual ou ainda pior do que a gente vê no Brasil.
A exemplo de muitos brasileiros e estrangeiros com que conversei a respeito, vi um país-sede com excelente infraestrutura aeroviária e rodoviária -a despeito da inexistência de transporte público, principalmente em Joanesburgo -; cidades limpas, bonitas e desenvolvidas, caso da Cidade do Cabo; estádios fenomenais, como o de Durban; e, o mais marcante de tudo: um povo extremamente hospitaleiro e orgulhoso de receber a Copa do Mundo. Mesmo com a queda dos Bafana Bafana ainda na primeira fase, os africanos continuaram a soprar suas vuvuzelas em todos os jogos e receber gente do mundo inteiro com carinho e generosidade. Tenham em conta que a Copa traz pessoas de todos os países, não só dos que a disputam. Vi grupos de croatas, húngaros, venezuelanos, peruanos, palestinos, russos, chineses e angolanos, só para citar alguns.
A segurança foi evidentemente reforçada, mas a falta de ocorrências graves deve-se principalmente ao empenho de todos que queriam que cada estrangeiro voltasse para casa com uma boa impressão do país. Aparentemente conseguiram. Muito provavelmente os índices de criminalidade no país nos últimos 60 dias foram os menores desde que começaram a ser medidos.
Entretanto é preocupante constatar que os esquemas montados para garantir este período de estabilidade já estão sendo desmontados. Muitos agentes de segurança serão dispensados, outros tantos vão sair de férias e o temor é que a corrupção, a letargia e a ausência da polícia local volte a níveis 'normais' a partir de agosto. Hoje o sul-africano está feliz e orgulhoso de ter conseguido receber o maior evento do mundo de uma maneira muito melhor do que todos esperavam. Amanhã vai descobrir a que custo isso tudo aconteceu e discutir melhor os legados resultantes de tanto esforço.
Quando pergunta-se a um local sobre o legado da Copa, é muito difícil ter como resposta 'o estádio X', 'o aeroporto Y' ou 'a rodovia Z'. Basicamente são duas as respostas padrão: 'descobrimos que a África do Sul tem capacidade para receber o mundo' e 'fechamos um pouco mais as feridas causadas pelo Apartheid'. Pela primeira impressão, entendo que eles estão realmente surpresos por sentirem-se tão capazes, já que estamos falando de uma democracia de apenas 16 anos que não está acostumada a receber eventos tão grandes e tantos turistas. Já sobre a integração entre negros e brancos, pode-se dizer que se trata de uma meta ambiociosa que foi atingida. A sensação é de que brancos e negros se aproximaram um pouquinho mais por causa da Copa. Nunca o país tinha recebido tantos estrangeiros de uma só vez (calcula-se que foram cerca de 250.000) e isso fez com que as pessoas se sentissem mais sul-africanas e menos brancas ou negras.
Pensando no nosso desafio de receber a Copa, acredito que, mais importante ainda do que garantir que haja infraestrutura, precisamos nos preparar para entregarmos aos visitantes (que devem vir em maior número) o que de melhor temos como povo. Nos próximos quatro anos você, leitor, vai ser bombardeado com denúncias de superfaturamento de obras, uso irregular de dinheiro público, decisões políticas em detrimento de decisões sensatas, abuso de poder, mamatas em geral conquistadas por gente envolvida na organização.
Mas o fato é que tudo vai ficar pronto a tempo e, em 2014, vamos ter milhares de gringos em todas as 12 cidades-sede tomando cervejinha em copo americano, sambando com o dedinho em riste e assistindo às partidas da Copa no maior conforto. Quem sabe como o Brasil funciona também sabe que o sucesso da Copa virá a um altíssimo custo moral e financeiro. Para amenizar essa revolta, ao meu ver inevitável, temos que nos preparar para receber o mundo da melhor maneira possível, com hospitalidade e mandando bem naquilo em que somos realmente craques: festa. Na união de todos para fazer a melhor festa da história, podemos nos aproximar como povo, amenizar as diferenças, e termos um legado muito mais valioso do que armações de concreto e cimento.
http://g.br.esportes.yahoo.com/futebol/copa/blog/daredacao/post/Muito-al-m-do-Soccer-City?urn=fbintl,255817
Casou, mas não sarou
Há 4 anos
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